Rodrigo
Alencar - Universidade do Estado da Bahia
Ronilson de Sousa - Universidade Federal de Sergipe
Avaliamos que os cem anos da Revolução Russa é um grande
acontecimento à ser comemorado, sobretudo, porque, como nos lembra Marly
Vianna(1), demonstrou para a humanidade, por meio de sua vitória e de suas
conquistas, que o capitalismo não é o fim da história, como querem alguns, e
deve servir, principalmente àqueles que almejam uma sociedade sem exploração e
opressão entre os seres humanos, para retirar lições dessa experiência
histórica. Ela conseguiu combinar uma atuação corajosa da classe trabalhadora,
organizada em organismos de autodeterminação, com a atuação de uma vanguarda
revolucionária, organizada em um Partido, junto à essa classe.
Naquela época, de acordo com Lenin(2), o
capitalismo já estava no seu estágio imperialista, marcado, pela transição de
um estágio de livre concorrência para a fase monopolista; a fusão entre o
capital bancário e o industrial,formando o capital financeiro e uma oligarquia
financeira; a exportação de capitais; a formação de associações internacionais
monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si; e a conclusão da
partilha territorial do mundo entre as maiores potências capitalistas.
A Rússia, naquele momento, era um país caracterizado por uma
população de, aproximadamente, 150 milhões de habitantes, formada por várias
nacionalidades,cerca de 80% encontrava-se no campo, a maioria era analfabeta, e
vivia sob um regime de exploração e opressão por parte de uma minoria de
grandes proprietários, que concentravam terras, riquezas e poder.O regime
político que vigorara era uma monarquia absolutista, apoiado pela nobreza
rural. Dessas famílias saíram os oficiais e dirigentes da igreja cristã
ortodoxa – a maior do país.Entretanto, de acordo com Trotsky(3), o capital
financeiro da Europa industrializava a economia russa num ritmo acelerado. A
burguesia industrial logo se tornava inimiga do povo, era numericamente débil e
não possuía nenhuma raiz nacional, defrontava-se desta forma com um
proletariado relativamente forte e com profundas raízes no povo. O proletariado
russo, jovem, resoluto, não constituía, contudo, mais que uma pequena minoria
da nação. As reservas de sua potência revolucionária encontravam-se no
campesinato, que vivia numa semi-servidão, e nas nacionalidades oprimidas.
As principais organizações que haviam na Rússia eram os
chamados constitucionalistas democratas, ou Kadetes, que era o partido da
burguesia liberal, defendiam a instituição de liberdades democráticas formais e
retirar o poder do czar por meio de uma constituição; os Anarquistas, cuja
principal concepção estratégica era a transição imediata daquela situação para
uma sociedade sem classes e sem Estado; Os socialistas revolucionários, SR’s,
partido que se baseava nos camponeses, defendiam reforma agrária e um
socialismo de tipo agrário, a partir das comunidades agrárias; e o Partido
Operário Social-Democrata Russo, POSDR, partido dos marxistas, dos operários,
que defendia o estabelecimento do socialismo científico, a partir da indústria
e das cidades. Esta última organização dividiu-se a partir de 1903 e 1905,
muito em função de divergências de concepções organizativas e estratégicas. No
que se refere a divergência principal de cunho estratégico - embora todos eles
defendessem a necessidade de uma etapa revolucionária democrática-burguesa (com
exceções como Trotsky e Parvus), para aumentar as forças produtivas do trabalho
social e socialização deste -, em linhas gerais, se dava em torno da direção
desse processo: Os Mencheviques defendendo uma aliança entre o operariado e a
burguesia, e os Bolcheviques defendendo aliança operário-camponês.
Em 1917, já foram 3 anos da Primeira Guerra
Mundial, o país se encontrava novamente (em 1904, a Rússia já havia entrado em
guerra contra o Japão, pela disputa por territórios da Ásia, e fora derrotada
em 1905) mergulhado numa profunda crise e a insatisfação com o regime Czarista aumentou.
Em 23 de fevereiro, ou março, pelo calendário moderno, no dia em que se
comemorava o dia da mulher, as operárias da indústria têxtil começam uma greve,
exigindo melhores condições de trabalho e o fim da guerra. O movimento
rapidamente se espalhou e tomou as ruas, exigindo a renúncia do czar. O governo
tentou reprimir, mas o exército se dividiu e uma parte passou para o lado dos
rebeldes. A burguesia também rompeu com o czar e apoiou o movimento.A classe
trabalhadora tomou o palácio do Czar, e, finalmente, em março, ele abdicou. A
revolução de fevereiro triunfou. Após a derrubada do czar instalou-se, de um
lado, um governo provisório constituído por políticos liberais em aliança com
os Mencheviques e parte dos SR’s e, de outro lado,os sovietes (conselhos)
ressurgiram (eles haviam surgido, pela primeira vez, na revolução de 1905) por
várias cidades da Rússia.
Lenin retornou ao país em abril de 1917, e revisou a sua
antiga posição a partir das famosas “Teses de Abril”. Nesse período, ele
avaliou que “o poder de Estado passou na Rússia para as mãos de uma nova
classe, a saber: da burguesia e dos latifundiários aburguesados. Nesta medida a
revolução democrático-burguesa na Rússia está terminada”(4). A particularidade
desse processo é a dualidade de poderes, que ninguém antes havia pensado. E sem
essa compreensão é impossível ir adiante. A velha fórmula demonstrou acertada
em geral, mas a sua realização revelou-se diferente. A dualidade de poderes
exprime o momento da revolução no qual ela já foi além dos limites da revolução
democrático-burguesa, mas não chegou ainda a uma ditadura pura do proletariado
e do campesinato.
O governo provisório tomou algumas medidas
inadiáveis, exigidas pela oposição, como redução da jornada de trabalho e
anistia a presos políticos,mas o seu objetivo não era resolver os problemas da
maioria da população. Trotsky analisa algumas premissas históricas da
revolução, tanto estruturais, como a podridão das velhas classes dominantes, a
debilidade política da burguesia, o caráter revolucionário da questão agrária,
o caráter revolucionário do problema das nacionalidades oprimidas, o peso
social do proletariado, como conjunturais, como a revolução de 1905;os
sovietes;a guerra imperialista; Além, é claro, da condição fundamental para
assegurar a vitória do proletariado: o Partido Bolchevique.
Muitos foram os acontecimentos até que, em 7 de novembro de
1917 (ou 25 de outubro, pelo calendário Russo), os bolcheviques tomassem o
poder. Eles tiveram que adotar algumas medidas urgentes, como retirar a Rússia
da primeira guerra mundial, em março de 1918, assinando o tratado de Brest
Litovsk, com os Alemães; Reverter as propriedades privadas dos meios de
produção, bancos, fábricas, terras - 150 milhões de hectares recuperados;
Resistir na guerra civil, da contrarrevolução com o apoio de dezenas de
potências imperialistas, que invadiram o país, etc. E os avanços foram enormes,
com a declaração dos direitos do povo trabalhador de 1918; Autodeterminação das
nações oprimidas; Fim a propriedade privada da terra e dos meios de produção;
Abolição da educação privada; Alfabetização; Arte e Cultura deixaram de ser
privilégio de classe; Direitos políticos das mulheres (aborto livre e
gratuito); Creches populares; Separação da igreja da educação e do Estado, e muitas
outras conquistas, em vários aspectos da vida social, inclusive na ciência,
tendo lançado o primeiro satélite e os primeiros seres humanos no espaço.
Mas, como destaca Milton Pinheiro(5), as conquistas não se
restringiram as fronteiras da Rússia. A revolução impulsionou lutas e
conquistas, para a classe trabalhadora, em escala mundial, tendo influenciado
na criação de várias organizações no mundo - como a fundação do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) - e suas articulações por meio da III Internacional
(ou Internacional Comunista). A União Soviética, ainda, foi a responsável
direta pela vitória sobre o nazifascismo, durante a Segunda Guerra
Mundial.Influenciou transições socialistas, lutas anticoloniais (também
conhecidas como de liberação nacional) e a constituição de democracias
populares em vários países, como: Iugoslávia, Albânia, Bulgária, Romênia,
Tchecoeslováquia, Hungria, China, Coréia do Norte, Vietnã, Cuba, Etiópia,
Angola, Guiné Bissau, Moçambique, entre outros, que formaram um bloco socialista,
polarizando com o bloco de países capitalistas, liderados pelos EUA, durante o
período que ficou conhecido como Guerra Fria. Além de ter influenciado na
constituição de regimes de tipo social democratas, como o WelfareState, na
Europa, e o New Deal, nos EUA, uma vez que, como afirma Mauro Iasi(8): “foi
preciso ceder a determinadas demandas dos trabalhadores, por direitos e
condições de vida, frente à ameaça de superação revolucionária da ordem,
representada pelo advento da Revolução Russa de 1917”.
O fim da URSS significou, entre outras questões,
um avanço do capital, especialmente sob a forma chamada neoliberal, que
garantiu, como analisa José Paulo Netto(6), as privatizações (dos serviços
públicos e do patrimônio estatal), a “flexibilização” (da produção, das
relações de trabalho; isto é, a retirada de direitos trabalhistas), a
“desregulamentação” (das relações comerciais e dos circuitos financeiros),
promovendo uma enorme concentração de riqueza e a alteração da composição
orgânica do capital, poupando força de trabalho e impulsionando um desemprego
estrutural.
Todavia, Virgínia Fontes(7) alerta, que o fim da experiência
soviética não significou o fim das experiências socialistas e muito menos das
lutas de classes. Mas os turiferários de sempre, rapidamente, se acomodaram ao
novo exorcismo do fim dos tempos, buscando nichos de mercado para venderem seus
livros (milhares de árvores inutilmente abatidas), cuja a única função era
defender o indefensável ou ocultar o mundo real sob o manto opaco da miopia
intelectual. Para a autora, é imprescindível um enorme esforço para enfrentar o
mesmo desafio que foi de vários revolucionários, de compreender o mundo, ao
mesmo tempo em que nutrimos a luta, juntamente com a classe trabalhadora,
contra a dominação cega do capital. O desafio contemporâneo se tornou mais
complexo ainda pela necessidade de dimensionar a grande contribuição da
revolução soviética e também as suas derrotas, que não se limitam àqueles que
atuaram diretamente no processo, mas à humanidade inteira.
Nesse sentido, concluímos esse breve balanço com a reflexão
de um Camarada, que nos deixou esse ano (2017). Ao analisar os impactos da
atual crise estrutural do sistema do capital, István Mészáros(9) recupera um
dilema expresso por Rosa Luxemburgo, no início do século XX: Socialismo ou
Barbárie, eavalia que esse dilema adquiriu urgência dramática e se tivesse que
modificar acrescentaria a “socialismo ou barbárie” a frase barbárie se tivermos
sorte.
REFERÊNCIAS
1 VIANNA, Marly. 90 anos da Revolução Russa. In:
PINHEIRO, Milton (org). Outubro e as experiências socialistas do século XX.
Bahia: Quarteto, 2011. p. 59-75.
2 LENIN, V. I. Imperialismo, Estágio Superior do
Capitalismo. São Paulo: Expressão Popular, 2012, 171p.
3 TOTSKY, Leon. O que foi a Revolução de
Outubro. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1932/11/27.htm>. Acesso em: 27 de set. de 2017.
4 LENIN, V. I. Sobre a dualidade de poderes.
Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/09.htm>. Acesso em: 27 de set. de 2017.
5 PINHEIRO, Milton. Apresentação. In:______; Outubro
e as experiências socialistas do século XX. Bahia: Quarteto, 2011. p.7-10.
6 PAULO NETTO, José. Uma face contemporânea da
barbárie. Disponível em: <www.pcb.org.br>. Acesso em: 05 de nov. de 2010.
7 FONTES, Virgínia. Prefácio. In: PINHEIRO,
Milton (org). Outubro e as experiências socialistas do século XX. Bahia:
Quarteto, 2011. p. 11-16.
8 IASI, Mauro Luís. Marx e a crise: os
fantasmas, agora, são eles. Disponível em: <www.socialismo.org.br>. Acesso em: 12 de dez. de 2009.
9 MÉSZÁROS, István. O século XXI: socialismo ou
barbárie?. São Paulo: Boitempo, 2003, 118p.
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