Por Ronilson de Sousa


Ruy Mauro Marini explicou os mecanismos que viabilizaram as alianças de classes, inviabilizando a antiga estratégia democrático-burguesa do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Para Marini, identificar a revolução brasileira com o desenvolvimento capitalista é um equívoco semelhante à imagem de uma burguesia anti-imperialista e antifeudal. De acordo com o autor, na verdade, o desenvolvimento capitalista prolongou a vida do velho sistema semicolonial de exportação. Da mesma forma, ao invés de libertar o país do imperialismo, vinculou-o a este ainda mais estreitamente, de maneira subalterna, dependente, e acabou por levá-lo a uma etapa subimperialista, que corresponde à impossibilidade definitiva de um desenvolvimento capitalista autônomo no Brasil.

Marini explica que, durante o governo militar de Castelo Branco, ficou evidente tanto a decisão de acelerar a integração da economia brasileira à economia norte-americana, como a de converter-se em centro de irradiação da expansão imperialista na América Latina e na África, criando, inclusive, as premissas de um poderio militar próprio. Nisso se distingue a política externa brasileira com o Golpe de 1964: não se trata apenas de aceitar passivamente as decisões norte-americanas (ainda que a correlação de forças, muitas vezes, leve a isso), mas de colaborar ativamente com a expansão imperialista, assumindo nela a posição de país-chave. Nesse sentido, o contexto do golpe e o projeto político-econômico da burguesia brasileira evidenciava o equívoco da perspectiva estratégica de aliança com a burguesia para desenvolver um capitalismo autônomo.

Segundo o autor, isso não se deve apenas a um desejo de liderança política, por parte do Brasil, mas ocorre pelos problemas econômicos colocados pelo caminho seguido pela burguesia brasileira em prol do desenvolvimento integrado. O estabelecimento da aliança entre a burguesia e as classes oligárquicas, vinculadas à exportação, que selou o golpe de 1964, colocou-a diante da impossibilidade de romper as limitações que a estrutura agrária, baseada na concentração fundiária, impõe ao mercado interno brasileiro (o campo se mostra incapaz de abastecer os mercados urbanos do país, fornecer matérias-primas e alimentos para as cidades, o que provoca alta nos preços. Tudo isso, consequência do caráter atrasado da agricultura, resulta da concentração da propriedade da terra, com repercussão no nível de vida da classe operária). O próprio projeto de reforma agrária adotado pelo governo Castelo Branco não admite outra forma de alterar essa estrutura senão por meio da extensão do desenvolvimento do capitalismo ao campo, em longo prazo. Desse modo, como não pode contar com o crescimento do mercado interno em grau suficiente para absorver a produção crescente, não lhe resta outra alternativa a não ser expandir-se para o exterior e garantir uma reserva externa de mercado para sua produção, o que colocou a expansão imperialista do Brasil na América Latina, que corresponde, na verdade, a um subimperialismo ou a uma extensão indireta do imperialismo norte-americano (o centro de um imperialismo desse tipo seria uma economia brasileira integrada à norte-americana).

Ao optar pela integração ao imperialismo e a expansão econômica nos ingressos de capitais estrangeiros, a burguesia brasileira concorda em intensificar o processo de renovação tecnológica da indústria. Atende, assim, aos interesses da indústria norte-americana, que busca instalar, além de suas fronteiras, um parque industrial integrado, que absorva aos equipamentos que a rápida evolução tecnológica torna obsoletos. E, mais ainda, que desenvolva complementarmente níveis da produção industrial, no quadro da nova divisão internacional do trabalho (na qual os países industrializados deverão ceder as primeiras fases de elaboração de matérias-primas aos países em vias de desenvolvimento, especializando-se aqueles nas fases mais avançadas de elaboração e acabamento dos produtos, entre outros).

 

Assim, seja por sua política de reforço de sua aliança com o latifúndio, seja por sua política de integração ao imperialismo, a burguesia brasileira não pode contar com um crescimento do mercado interno em grau suficiente para absorver a produção crescente que resultará da modernização tecnológica. Não lhe resta outra alternativa senão expandir-se para o exterior e torna-se então necessário para ela garantir uma reserva externa de mercado para sua produção. O baixo custo de produção que a atual política salarial e a modernização industrial tendem a criar, aponta na mesma direção: exportação de produtos manufaturados. (MARINI, 2000, p. 69).  

Nessa perspectiva, é importante ressaltar uma questão central na explicação de Ruy Mauro Marini sobre a realidade brasileira e latino-americana, que é a superexploração do trabalho. As transações entre nações que intercambiam distintos tipos de mercadorias, de acordo com determinada divisão internacional do trabalho, isto é: transações entre países favorecidos e desfavorecidos resultam num intercâmbio desigual em favor dos primeiros e implica uma cessão ou transferência de valor dos segundos para os primeiros. As nações desfavorecidas lançam mão de um mecanismo de compensação, um incremento de valor intercambiado, que pode ser tanto no plano de intercâmbio de produtos similares, como produtos originários de diferentes esferas de produção. Em todo caso, o capitalista da nação desfavorecida aumenta o grau de exploração do trabalho, pela intensidade e/ou pela prolongação da jornada, além de outro procedimento realizado, que caracteriza a superexploração do trabalho: a expropriação de parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho (é nisso que radica, segundo o autor, a essência da dependência latino-americana. A dependência é entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, cujas relações de produção das nações subordinadas são modificadas/recriadas para assegurar a reprodução da dependência). Nesse sentido, a circulação tende a se realizar no âmbito do mercado externo. Primeiro, a exportação de mercadorias e, em seguida, a exportação de capitais.

Marini avalia que a noção de “burguesia nacional”, capaz de realizar as tarefas que a burguesia monopolista levou a cabo, é insustentável, não apenas pelos interesses de preservação da ordem contra toda ameaça proletária (e, nesse sentido, em 1964, a burguesia estava atenta às lições da experiência da revolução cubana), mas, principalmente de ver que a atuação política dessa chamada “burguesia nacional” expressa o seu atraso econômico e tecnológico, correspondendo a uma posição reacionária, mesmo em relação ao desenvolvimento capitalista.

 

O motor desse desenvolvimento está constituído, sem lugar de dúvida, pela indústria de bens intermediários e de equipamentos, isto é, aquele setor em que reina soberana a burguesia monopolista associada aos grupos estrangeiros. São as necessidades próprias desse setor que impulsionaram ao capitalismo brasileiro para a etapa subimperialista, único caminho que encontrou o sistema para seguir com seu desenvolvimento. A esta alternativa, a “burguesia nacional” nada tem que contrapor, senão uma demagogia nacionalista e populista, que apenas encobre sua incapacidade para fazer frente aos problemas colocados pelo desenvolvimento econômico. (MARINI, 200, p. 100). 

De acordo com Marini, para as grandes massas do povo, o problema está, inversamente, numa organização econômica que não apenas admita a incorporação do processo tecnológico e a concentração das unidades produtivas, mas que as acelerem, sem que isso implique agravar a exploração do trabalho em âmbito nacional e subordinar definitivamente a economia brasileira ao imperialismo. Tudo reside em conseguir uma organização da produção que permita o pleno aproveitamento do excedente criado, isto é, que aumente a capacidade de emprego e de produção dentro do sistema, elevando os níveis de salário e de consumo. Como isso não é possível no marco do sistema capitalista, não resta ao povo brasileiro senão um caminho: “o exercício de uma política operária, de luta pelo socialismo” (MARINI, 2000, p. 102).

Para Marini, o verdadeiro estado de guerra civil implantado pelas classes dominantes no Brasil – do qual a Ditadura Militar de 1964 é expressão – não pode ser superado mediante fórmulas de compromissos com alguns estratos burgueses. A inutilidade desses compromissos, frente à marcha implacável das contradições que coloca o desenvolvimento do sistema, impulsiona necessariamente a classe operária para as trincheiras da revolução. Por outro lado, o caráter internacional, que a burguesia subimperialista pretende imprimir à sua exploração, identifica a luta de classes do proletariado brasileiro com a guerra antiimperialista que lavra no continente.

 

Referência

MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Emir Sader (Org). Petrópolis-RJ: Vozes; Buenos Aires: CLACSO, 2000. 295p.