Por Ronilson de Sousa

O Partido dos Trabalhadores (PT) surgiu no contexto da luta de classes no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980. Ele é a maior expressão de um determinado momento da luta de classes, no Brasil, que confluiu para a formulação da Estratégia democrático-popular, que hegemonizou a classe trabalhadora, na luta de classes, nas últimas décadas. Essa estratégia ganhou contornos mais bem definidos, nas formulações do PT, no seu V Encontro Nacional, realizado em Brasília, no ano de 1987.

Apesar de ter contado com a participação de organizações trotskistas, desde a sua fundação, a estratégia desenvolvida pelo PT pouco tem a ver com a concepção de revolução permanente, de Leon Trotski. Em linhas gerais, a avaliação do PT, para propor a estratégia democrático popular, pode ser resumida da seguinte maneira:

Não está colocado nem a luta pela tomada do poder (pelo fato de que as massas da população não estão convictas da necessidade de acabar com o domínio político da burguesia), nem a luta pelo socialismo (ou a construção do socialismo), por conta do desenvolvimento desigual e desequilibrado do capitalismo, sua incompletude, sua dependência. 

O PT avaliava que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil era desigual e desequilibrado regionalmente, com a superexploração, a dependência do imperialismo; incompleto com o latifúndio, pequenos produtores, pequenas e médias empresas. Uma formação social dividida em duas: o Sul e Centro Sul do país, com uma formação moderna, avançada do ponto de vista capitalista, com o predomínio do capital monopolista (mas, mesmo essa região, ainda não completou a centralização), e o restante do país, que é atrasado, com o predomínio de pequenas e médias empresas e, no campo, o latifúndio e os pequenos produtores. Nesse sentido, o caráter da estratégia é democrático e popular, para acumular forças, superar esses entraves e avançar na consciência da importância do socialismo. 

Para o PT, a questão que se coloca é se o Brasil está ou não “maduro” para o socialismo. Dessa forma, a análise foca (de maneira dual) aspectos considerados modernos e atrasados, chegando a conclusão de que o país não está maduro e propõem uma mediação democrática, com o objetivo de desenvolver autonomamente as forças produtivas no país, até o estágio em que o Brasil fique maduro para o socialismo. Não está colocada a luta pelo socialismo, porque é preciso realizar as tarefas democráticas em atraso, que entravam o desenvolvimento do capitalismo no país, o desenvolvimento das forças produtivas. Ao colocar a questão dessa forma (se está pronto ou não para o socialismo), focando a análise no suposto dualismo, com essa pretensão de uma mediação democrática, apesar de considerar “a dependência ao imperialismo” como um dos obstáculos à sua “maturidade”, desconsidera e o isola da totalidade das relações capitalistas mundiais. O imperialismo, nesse sentido, é encarado apenas como um inimigo externo, e não como um estágio do capitalismo.

Trotski, ao apresentar a sua concepção de Revolução Permanente, partia da economia mundial, compreendida não como adição de unidades nacionais, mas como uma totalidade, uma realidade interdependente, criada pelo mercado mundial, pela divisão internacional do trabalho e pelo desenvolvimento das forças produtivas mundiais. Com o domínio do capitalismo mundial, o processo revolucionário acarreta erupções violentas, interna e externamente. Independente do país (se atrasado ou avançado), a revolução começa na arena nacional e só termina com o triunfo definitivo da nova sociedade em todo o planeta, num processo permanente. Nesse sentido, o desenvolvimento da revolução mundial elimina a questão colocada em termos de “países maduros” e “países não maduros” para o socialismo. Não significa que todos os países do mundo, considerados isoladamente, estão maduros para a revolução socialista. Mas, indiscutivelmente, em seu conjunto, a economia mundial está madura para o socialismo.

Todavia, de acordo com Trotski, as particularidades econômicas dos diferentes países não têm uma importância secundária. Essa originalidade pode determinar a estratégia revolucionária por vários anos. Isso leva a supor que o processo revolucionário terá, nos diferentes países, um caráter variado de acordo com sua base social, suas formas políticas, suas tarefas imediatas e seu ritmo.

Nessa perspectiva, para Trotski, considerar que a economia mundial está madura para o socialismo, não significa que cada país, tomado isoladamente, esteja na mesma situação. A conciliação do desenvolvimento desigual da economia e da política só pode ser obtida na escala mundial. Isso significa que o problema da ditadura do proletariado não pode ser considerado exclusivamente nos limites da economia e da política nacional. Uma sociedade socialista autônoma não pode ser construída em nenhum país. A essa construção se opõem tanto as forças produtivas, que já ultrapassam os limites nacionais, como as forças produtivas que, insuficientemente desenvolvidas, impedem a nacionalização. Em ambos os casos, as contradições só poderão ser suprimidas por meio da revolução internacional. Esse raciocínio elimina a questão de um país está ou não maduro para o socialismo. No entanto, é indiscutível que o país atrasado terá mais dificuldade as tarefas da ditadura proletária. Mas, a história não trabalha por encomenda e ao proletariado dos países atrasados não tem o direito de escolher. Num país em que o proletariado chegue ao poder em virtude de uma revolução democrática, o destino ulterior da ditadura e do socialismo dependerá, afinal, menos das forças produtivas nacionais do que do desenvolvimento da revolução socialista internacional.

Para tanto, as chances de vitória na luta dependem tanto do papel do proletariado na economia do país, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, como da existência de um problema “popular”, de interesse da maioria da nação, cuja solução possa ser dada por medidas revolucionárias, é o caso do problema agrário e do problema nacional. Nesse sentido, o proletariado dos países atrasados pode chegar ao poder, colocando-se no terreno da revolução nacional-democrática, antes do proletariado dos países avançados, que se coloque num terreno puramente socialista. No entanto, nos países atrasados a solução das tarefas democráticas e nacionais libertadoras, passam pela ditadura do proletariado apoiada nos camponeses.

Diferente do PT, que, ao considerar que o Brasil não está “maduro” para o socialismo e apontar para a necessidade uma mediação democrática, para realizar as tarefas em atraso; para o revolucionário russo, as tarefas democráticas e nacionais libertadoras, passam pela ditadura do proletariado apoiada nos camponeses, pois avaliava não ser possível nenhum regime intermediário. Todavia, é importante ressaltar que, mesmo não acreditando que as tarefas democráticas pudessem ser realizadas, pela via do regime, o revolucionário propõe que essas bandeiras sejam levantadas, pois eram essas as reivindicações que colocavam a classe em luta.

Para Trotski, no curso do seu desenvolvimento, uma vez que será colocada diante de tarefas que a levarão a fazer incursões profundas no direito burguês da propriedade, a revolução democrática se transforma diretamente em revolução socialista, num processo permanente.